terça-feira, 23 de dezembro de 2008

O verdadeiro sentido do Natal

Sendo a festa da vida, do amor, da família, da humildade e da dádiva ao outro, o Natal provoca sempre em nós emoções fortes e muito variadas . Não será por isso estranho, que sempre se contaram e escreveram histórias que fazem alusão ao espírito natalício. Histórias que oscilando entre a luz e a sombra, a alegria e o sofrimento, nos obrigam a reflectir no final de cada leitura, de forma a tornarmo-nos mais humanos.

Hans Christian Andersen, célebre escritor dinamarquês do século XIX, escreveu alguns desses contos que pela sua riqueza literária, desprovida de moralismos e pela linguagem simples que utilizam, são considerados ainda hoje, dos mais belos de sempre.

A menina dos fósforos é um conto triste. Nele, as luzes e as sombras do Natal marcam presença e particular significado, colocando em evidência algumas das questões existênciais do ser humano: Os limites, as exclusões e os abandonos... As esperanças, as forças e os sonhos.

Porque Natal é antes de mais e para além de tudo, um tempo de reflexão, de encontro e interiorização das nossas fraquezas e das nossas forças, num ritual de renovação, de partilha e de afectos, deixo-vos a história, para que não esqueçamos o verdadeiro sentido desta quadra..

Existe em cada um de nós uma menina dos fósforos, será que a conhecemos bem?

FELIZ NATAL

Um Santo Natal

Sempre que se entra na época natalicia, há qualquer coisa que nos invade o espirito. Lembramo-nos, ironicamente ou não, dos familiares, amigos ou simplesmente conhecidos com quem não trocamos uma única palavra durante o ano mas que nesta altura são lembrados nas mensagens enviadas em massa e que de pessoais têm muito pouco.

O espirito consumista sai à rua, não sou excepção à regra, mesmo numa altura de crise sabe sempre bem receber uma prendinha. Seja o que for que vem lá dentro o barulho do papel de embrulho a rasgar desperta-me sempre a criança que há em mim.

Agora que sou pai, mais gozo me dá. Ver os miúdos abrirem os presentes com um brilhozinho nos olhos e uma felicidade inerente que se espalha a todos que os rodeiam ainda sem a noção da crise mundial que decorre e das privações que algumas crianças de mesma idade passam.
Quando achar que será a altura adequada para tal irei mostrar-lhes essas dificuldades, para que tenha a noção que nem tudo é um mar de rosas.

Mas voltando ao assunto inicial.
Desejo a todos vós, familiares, amigos, seguidores deste blog um Santo e Feliz Natal. Mesmo que sem prendas pelo menos com a presença de todos aqueles que vos querem bem e com muita saudinha!

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Dá que pensar...


"A vida é uma pedra de amolar:
desgasta-nos ou afia-nos, conforme o metal
de que somos feitos. "
(George Bernard Shaw)


Imagem
Moinho de Mãos - Tapeçaria Artesanal de Cândida Rocha
São Vicente - Cabo Verde

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Coisas Boas...


O dia começava cedo, bem cedo. Ainda o sol se espreguiçava da dormência da noite, já Adélia revolvia a vida por dentro e por fora num frenesim de força e vontade que contagiava tudo e todos.
Era um tempo difícil. Trabalhava longe, em casa das senhoras ricas, às vezes levava também a filha pela mão e percorria ruas e vielas como quem passa de um mundo para o outro. Para trás já tinha ficado a janta pronta, as camas feitas, a roupa estendida e outra de molho em sabonária para ser lavada à noitinha.
Naquele passo certo e corrido, Maria João, a menina, era levada quase a reboque.
- Porque não vamos de camioneta mãe? - Perguntava ela, sentindo ao fim de poucos metros o cansaço nas pernas franzinas. Adélia ás vezes sentia-se angustiada por sujeitar a filha àquele esforço, mas o que podia fazer? Não conseguia esconder-lhe a realidade e embora sonhasse com um futuro melhor, era preciso ensinar Maria João a enfrentar qualquer adversidade sem grandes lamúrias ou lamentações.
– Para irmos de camioneta gastamos quatro escudos por dia e é preciso poupar filha! Vais ver que chegamos num instante e depois vais ter todo o dia para descansar.
Os quatro anos de Maria João, faziam com que não pensasse noutra verdade para além daquela que a mãe lhe dizia, agarrava-se a ela com a mesma força com que segurava a sua mão e juntas atravessavam a vida.
De todas, a mais bonita era a casa da D. Mimi. Ficava num 8º andar de um edifício tão alto que quase arranhava o céu. Tudo brilhava naquele luxuoso apartamento; os móveis de madeira exótica, o chão encerado e lustroso com carpetes bonitas, cortinados e reposteiros de tecidos nobres e cores sóbrias, pratas e porcelanas dispostas numa decoração requintada. Na cozinha, espaçosa e arejada, os tachos e panelas luziam pendurados e pairava no ar um aroma doce que se misturava depois com o cheirinho do café que Adélia fazia para os senhores, mal chegava. Quando as meninas se levantavam, a mesa da sala já estava magestosamente pronta para o pequeno almoço. A Senhora já tinha dado as ordens para a refeição seguinte que deveria ser servida à uma hora em ponto, isto depois de Adélia se desfazer em agradecimentos e desculpas por ter tido a permissão, mais uma vez, de levar a filha consigo, assegurando que ela não perturbaria nem os seus afazeres e muito menos a vivência dos donos da casa.
Maria João interiorizava com atenção todas as conversas, jeitos e gestos, sentada a um canto da cozinha, num banco de madeira pintada. Nervosamente, ou porque a imponente figura da D. Mimi a intimidasse, ou porque assumia a postura formal e servil da mãe, ela esticava a saia de xadrez pregueada para que lhe cobrisse os joelhos, tal qual lhe recomendava sempre o pai. Depois era o reboliço. Era a dona da casa que tocava na sala o sininho, dando sinal para que Adélia comparecesse sem demoras. Era o Senhor General, que Maria João apenas conhecia pelo som austero da voz, que dizia: “ Tenha modos Nônô!” ou “ Fifi, a menina ainda não lavou os dentes?”. Era a menina Nônô, a mais pequenina, que vinha à cozinha pedir à Adélia que lavasse o vestido da boneca ou lhe fizesse o totó e olhava curiosa para a menina, dizendo-lhe simplesmente “ Olá”. Ao fim de algum tempo, a calma e o silêncio iam regressando ao ritmo da porta da casa que se abria e fechava até todos terem saído.
Ficavam depois só as duas, mãe e filha, naquele que era para Maria João um palácio e para Adélia uma casa de muito trabalho. Depois de saborearem um delicioso café, feito com as borras já coadas do café anterior, Adélia começava a labuta; limpava, arrumava, lavava, esfregava, polia, estendia, passava e cozinhava com a mestria do saber fazer que dez dos seus vinte anos de vida, lhe haviam ensinado enquanto servia em casa de senhores. Maria João, sempre de volta da mãe, aprendia com ela os gestos mágicos que transformam as casas em portos seguros, asseados e deliciosamente confortáveis.
Só havia um sítio onde ela se perdia como criança; o quarto das meninas. Tudo era tão lindo! A colcha rosa fofinha que cobria a cama pintada de côr branco-pérola . O abajur do candeeiro que era afinal o guarda-sol da boneca que agarrada a ele pendia do tecto. A caixinha de musica com a bailarina em pontas que ela fazia rodar dando-lhe corda, atrevidamente, assim que a mãe se distraía. E as bonecas, tantas bonecas! Grandes e pequenas, como ela nunca vira senão ali. Adélia deixava-a sempre mexer nelas, tocar-lhe nos cabelos, ajeitar-lhes os vestidos. Sabia que existia uma infância roubada no olhar da filha e que aquele era um dos poucos momentos que permitia o seu reencontro. Apesar de saber que a filha tinha todo o cuidado do mundo, ela repetia sempre o mesmo aviso, com a firmeza das coisas inquestionáveis:
- Volta depois a pôr a boneca no sítio e não estragues nada!
Voltavam depois à cozinha e era hora de preparar o almoço. Pouco depois regressavam todos e também o reboliço e o som do sininho, com a Adélia a colocar o avental branco bordado para se apresentar prontamente à chamada. Ah! E no banquinho de madeira, lá ficava novamente a Maria João sentada, à espera que se fizesse novamente silêncio.
Almoçavam na cozinha o delicioso repasto das sobras da refeição dos senhores que eram devolvidas nas travessas, ás quais se juntava por vezes um pouco mais, que de tanta fartura, havia ficado no tacho.
À hora da sesta, Adélia estendia uma saca de serapilheira limpinha no chão da marquise. Maria João adormecia ainda a sentir o beijo e a carícia da mãe, a ouvir o tilintar dos pratos e copos que ela lavava e a pensar na manhã, cheia de coisas boas que tinha vivido.
( Este texto foi publicado em outra das minhas aventuras bloguistas. Na foto se encontram as protagonistas desta história. Sei que o local onde foi tirada, a casa da tia Gracinda, despertará em muitos de vós, tal como em mim, inumeras recordações que decerto servirão como fonte inspiradora de outras escritas. )

terça-feira, 11 de novembro de 2008

São Martinho

No calendário litúrgico, o dia de S. Martinho celebra-se a 11 de Novembro, data em que este Santo, falecido dois ou três dias antes em Candes, no ano de 397, foi a enterrar em Tours, França.
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Hoje em dia, não sendo o uso do missal tão frequente, nem todos os crentes católicos se lembrarão de ver, nos dias festivos do ano, o que se diz relativamente ao dia 11 de Novembro e ao seu Santo: «São Martinho é o primeiro dos Santos não Mártires, o primeiro Confessor, que subiu aos altares do Ocidente (...) A sua festa era de guarda e favorecida frequentemente pelos dias de “verão de S. Martinho”, rivalizando, na exuberância da alegria popular, com a festa de S. João.» (in Missal de Dom Gaspar Lefebvre )

Com efeito, S. Martinho foi, durante toda a Idade Média e até uma época recente, o santo mais popular de França. O seu túmulo, abrigado desde o séc. V por uma Basílica (sucessivamente destruída e reconstruída) em Tours, era o maior centro de peregrinação de toda a Europa Ocidental. A sua generosidade e humildade, aliadas a uma enorme fama de milagreiro fizeram dele um dos santos mais queridos da população. E ainda hoje o seu espírito de partilha é fonte de inspiração.
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São Martinho é santo patrono dos alfaiates, dos cavaleiros, dos pedintes, dos restauradores (hoteis, pensões, restaurantes), dos produtores de vinho e dos alcoólicos reformados, dos soldados... dos cavalos, dos gansos, e orago de uma série infindável de localidades de Beli Benastir, na Croácia, a Buenos Aires, na Argentina (fonte Catholic Community Forum) passando, evidentemente, por numerosíssimas sítios de Norte a Sul de Portugal.

O facto de o seu dia coincidir com a época do ano em que se celebra o culto dos antepassados e com a altura do calendário rural em que terminam os trabalhos agrícolas e se começa a usufruir das colheitas (do vinho, dos frutos, dos animais) leva a que a festa deste Santo tenha toda uma componente de exuberância que actualmente tende a prevalecer.

Assim, em Portugal, o dia de S. Martinho é invocado nas cerimónias religiosas dos locais de culto, e o seu espírito de solidariedade lembrado, quanto mais não seja, através do relato do episódio em que partilhou a sua capa com um pobre; mas de resto, e por todo o lado, as pessoas andam ocupadas nas actividades mencionadas nos provérbios sobre este dia: assam-se castanhas, prova-se o vinho...

Hoje é o dia de aniversário do Martim. Faz um ano que se juntou à nossa família trazendo ainda mais alegria. É incrível como tem uma personalidade e fisionomia diferentes do irmão, mas uma coisa têm em comum: são uns autênticos diabinhos! Têm os seus dias é claro, como um adulto também tem os seus. O nome nada tem que ver com a data de nascimento, já estava escolhido. Nasceram em dias especiais. O Gonçalo a uma sexta-feira santa (podia ter sido no domingo de Páscoa) e o Martim no dia do Santo associado à castanha e à "vinhaça".

As crianças enchem uma casa. Dá gosto vê-los brincar, alheios a qualquer preocupação sem terem a percepção do que se passa à sua volta. Se bem que esta nova geração já traz uma bagagem digna de registo!. De onde veio essa informação toda?
Mas nem tudo são rosas! Os putos dão trabalho! E como dão!!! Confesso que se tivesse de os aturar sozinho seria difícil. Graças as Deus tenho a Lena a meu lado. A minha mulher é um espectáculo! Não digo isto por estar aqui a escrever. É a mais pura das verdades!!!! Ela é um espectáculo. Quer seja nas lides da casa quer seja a tratar dos filhos é incansável. E ainda tem tempo para mim!
Quando o Gonçalo nasceu todas as atenções viraram-se para ele, os nosso hábitos alteraram-se, agora com o nascimento do Martim voltámos ao principio. Tivemos de dividir as atenções, houve um período de adaptação até que criámos rotinas. Agora parecemos uma autêntica fábrica de produção em série.
Hoje sou um pai babado. Sempre fui, e também já sou um tio babado! Agora já posso dizer que sei o que os pais passam para educar os filhos, passam a ser as suas prioridades. Aumentam as preocupações mas também aumenta a alegria.
Sinto-me realizado, tenho uma mulher sensacional e dois filhos maravilhosos. Bem hajam....

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Regresso à infância. Parte 2

Como tinha mencionado no texto anterior fui visitar o casal no sentido de tirar umas coordenadas geográficas cujos pontos já os trazia memorizados. O carvalheiro da bica, a casa, o forte e a lapa da Santa. Quantos de vocês primos ouviram falar destes nomes?

O carvalheiro da bica, e aqui perdoem-me os tios se estarei a cometer algum erro, era um carvalho imponente com uma copa enorme que existia junto a um tanque de água. Era aqui que estava um baloiço montado para vossa delicia cuja vista se estendia para uma horta bem tratada. Conheci esta árvore entretanto consumida pelo fogo, tentei imaginar a horta e o baloiço mas não consegui apenas vejo um amontoado de silvas.

A casa, pequena para uma família de tão grande dimensão, mas certamente cheia de vida, quer pela azáfama do dia-a-dia quer pelo som de crianças brincando, bem como do som dos animais. Agora está lá inerte, abandonada, apenas com a companhia de um sobreiro. As janelas partidas bem como as portas. O seu interior encontra-se degradado em virtude do passar do tempo e desprotegida das intempéries. Já não há ninguém para cuidar dela.

A Lapa da Santa - curioso este local. Diz a lenda popular que em tempos houve uma aparição de uma Santa nesta nascente de água que se encontra de certo modo tapada. Espreito, é escura, ouvem-se pingos a cair, de repente a água perde a calma devido à fuga de algumas rãs que nela mergulham. Uma aranha de relativa dimensão e beleza tece a sua teia na esperança de apanhar uma refeição. Existem ainda vestígios de uma antiga fábrica de tijolo.

O forte. Deixei este para o fim. Sempre ouvi falar no forte como se o nome dado viesse de uma brincadeira pois o seu formato assim o deixa entender. Um monte alto cheio de arvoredo, rodeado por um fosso. Em tempos o primo David (filho da tia Aldina) e um colega usaram aquele local para os jogos de paintball. Mas afinal o forte tem história. Descobri-a através do Geocaching (prometo que falarei nisto) e na consulta de cartas geográficas militares.
Chama-se Forte do Meio, pertencente à chamada Linhas de Torres, usado como meio de defesa aquando da terceira Invasão Francesa ao nosso país. Com a ajuda das tropas inglesas, e através de Lord Wellington que se lembrou de usar 800 km2 de montes bravios numa fortaleza para proteger a capital Lisboa do exército de Napoleão. (um bom exemplo da vertente cultural do Geocaching pode ser visto neste link: http://www.geocaching.com/seek/cache_details.aspx?guid=8d9e40c9-6bbb-4f1a-bff3-695bfa830fde - projecto caches dedicadas ao tema da Linha de Torres. Esta particularmente ao forte situado na Ericeira). Ali perto, junto à estrada encontra-se também o Forte da Patarata cujo estado de degradação leva a entender tratar-se de um monte de terra cheio de mato. Existe ainda outro forte neste pinhal mas que não visitei nem consegui encontrar o seu nome. Vejam o link. Aprender não custa.

Mas neste regresso à infância saltaram-me memórias do meu subconsciente. Para além das futeboladas jogadas no pátio do recreio da escola primária da Murgeira, das passeatas de bicicleta pelas terriolas que rodeiam esta aldeia, do convívio na sociedade recreativa, das férias e fins de semana passados na casa da avó, vieram outras recordações. Lembro-me casa, pequena mas acolhedora, sempre arrumada. Os móveis antigos, um deles com um pequeno sofá vermelho onde me deitava a ler um velhinho livro azul de fábulas que ficava guardado numa porta desse mesmo móvel. A televisão pequena, a preto e branco, que aos domingos de manhã a avó ligava para assistir à missa sentando-se numa cadeira junto à porta do seu quarto. Às vezes dava por ela a rezar em conjunto com a televisão. Era castiça a velhota! Fazia umas sopas que eram um mimo! Lembro-me do meu pai ralhar com ela quando era hora de almoço: "Oh senhora sente-se!" Não parava ela! Enquanto não estivéssemos todos aviados ela não se sentava a comer.
O que dizer da cozinha? Um fogão colocado debaixo da chaminé cujo rebordo estava repleto de pequenos bonecos usados pelos tios nas suas brincadeiras e que avó conseguiu manter por muitos anos, até um dia deitei-lhes as mãos, bem como algumas maçãs que ficavam a amadurecer para depois poderem ser degustadas. Pendurado numa parede existia um quadro muito antigo (julgo que representava a morte de D. Inês). Era na cozinha que situava o acesso ao sótão, lugar ao qual apenas fui duas vezes mas lembro-me da pequena janela ali situada e de duas camas de ferro com colchões de palha, um luxo!. Havia ainda uma cristaleira que guardava uns pratos antigos os quais a avo tinha enorme estima. Junto à casa de banho, onde tantas vezes tomei banho de alguidar com água aquecida no tacho, estava um pequeno quadro pintado à mão (não sei o seu autor) e uma fotografia do avô ao lado de uma junta de bois que usava para os trabalhos no campo.
Não havia água canalizada (apareceu mais tarde), por isso bebia a água do poço. Fresca, limpa sem qualquer tipo de tratamento a não ser os insectos que nela andavam.
O caminho até ao poço era uma aventura, saindo da porta, encontrávamos no lado esquerdo as hortências depois as ameixeiras, quantas vezes subi-as na brincadeira, as roseiras, umas pereiras e finalmente o poço. Existia ainda um marmeleiro e o terreno por vezes era cultivado, pelo tio "Manel", o meu pai, o tio António (marido da tia Gracinda), com batatas guardadas depois no barracão contíguo à casa. Do lado direito, a horta, o limoeiro, as figueiras, as macieiras e por vezes a complexa construção de canas para a plantação de feijão verde. A figueira era um dos locais predilectos para o tio João (marido da tia Adélia) caçar uns passaritos que depois os depenava e fazia um belo de um petisco. Junto a esta estava a ameixeira Rainha Cláudia cujo fruto é pequeno mas doce, um autêntico manjar dos deuses.

Não me posso esquecer da frente da casa. A árvore de doce-lima situada bem à porta de casa cujas folhas a avó guardava para fazer um chazinho. A pedra dos namorados! Quantas horas passei ali a brincar e a tentar apanhar lagartixas ou simplesmente sentado aproveitando o facto do sol a ter aquecido, olhando a Tapada de Mafra observando os gamos e os javalis que aproveitavam o fim de tarde para pastar. Recordo-me ainda da eira, onde ainda assisti ao debulhar de feijão, a terra barrenta utilizada muitas vezes pelo Hugo e pelo Pedro nas suas sessões de bricolage. Autênticas obras de arte que ganhavam forma nas mãos deles e cuja experiência mais tarde aproveitaram para ganhar algum dinheiro. Lembro-me de irem vender fios e outras coisas quando passámos férias (julgo que foram 2 ou 3 anos seguidos) em Armação de Pêra juntamente com a Susana e a Carla, a tia Judite e o tio Carlos. Recordo-me do Citroen 2 CV do tio José Manuel e do "carocha" do tio Carlos, autênticas feras da estrada naquela altura.
Desculpem-me perdi-me no contexto. Voltando à casa, lembro-me ainda dos barracões contíguos à casa. O primeiro, onde se guardavam as enxadas e outros objectos de labuta e onde ficava o forno a lenha era agora o sitio onde se deixavam as batatas colhidas da terra, era também a casa de um casal de rolas bravas cuidadosamente tratadas pela avó mantidas numa gaiola que julgo ter sido uma coelheira. Outro barracão continha palha e pipas de vinho, enormes, feitas de madeira de carvalho entaladas por anéis de ferro escurecidos. Em frente a estes uma ginjeira fazia companhia a outra figueira e junto ao portão de entrada um pessegueiro dava as boas vindas.
E o que dizer do caminho até à casa, recente, da tia Aldina? Onde nasceu a baptizada "baiúca do Tarzan"? Uma autêntica obra de engenharia elaborada pelo tio Daniel. Nada de especial pensarão alguns de vós que não passaram tanto tempo como eu por aquelas paragens. A fonte, e os tanques para lavar a roupa. As tardes passadas a brincar ora no telhado desta ora na sua sombra a colher amoras que nasciam das silvas que ladeavam as escadas de acesso à estrada. Lembro-me ainda de um abrunheiro bravo situada no enfiamento do caminho que ladeava o fim do extenso terreno existente a seguir ao poço.
Da fonte até à casa da tia Aldina passávamos por um eucliptal, onde existia um buraco pouco profundo sempre cheio de água usada pelos pássaros para se banharem rodeado de uns arbustos curiosos. Digo isto porque o fruto deste era uma bola castanha disforme que abrindo encontrávamos ovos ou até mesmo larvas de insecto.

Considero-me um sortudo. Tive a oportunidade de conviver com animais de quinta, plantar legumes, colhê-los, andar na chinchada, ter liberdade para ir até onde queria porque onde quer que fosse sabiam quem eu era, era como se estivesse em casa. Nessa altura ansiava pelas férias, passei muitas delas juntamente com Teresinha (a pantera!) e o tio. Passeatas, idas à praia e ao Rio Lizandro, brincadeiras tudo sem qualquer tipo de preocupação. Tenho pena que os meus filhos não possam passar pelo mesmo. Apesar de ter ido viver para o campo já não é a mesma coisa. As quintas já não são a mesma coisa, agora servem de habitação secundária e nada mais.
A geração playstation tem outros interesses.

Até que um dia tudo mudou. A avó faleceu e era altura de se falar em partilhas. Marcou-se uma reunião com toda a família na casa da avó para se decidir o que fazer. Ainda tenho na memória uma frase que dificilmente esquecerei, talvez por ter marcado uma viragem na minha vida? Não sei. Estava na rua a brincar e ouvi: "O que fazer com a casa?". Uma das tias (Não me recordo quem mas também não importa) responde: "Por mim vende-se! Nada me prende aqui!"

Vender??!! Vão-me tirar isto?. Confesso que me senti desiludido em ouvir aquilo. Não me lembro da idade que tinha na altura mas sei que já tinha alguma consciência. Vender uma coisa que tanto custou a ganhar aos avós?! Onde passaram a infância?. Fez-me confusão. Por parte dos primos compreendo que não tivessem qualquer interesse mas os tios?
Senti essa mesma desilusão no meu pai. Mas a decisão era democrática e a maioria assim o decidiu. Se ele tivesse dinheiro tenho a certeza que ficaria com ela.

A casa foi vendida. O recheio dividido entre os irmãos. Quem a comprou não a estimou. Foi muito mal tratada a casinha da avó. Mais tarde, e felizmente, a casa voltou a um familiar. A tia Otília comprou-a, fez obras de remodelação voltei lá a seu convite. Quando entrei pensei: "Tão pequena?" mas depois tomei a noção que os anos tinham passado e eu cresci. A casa está fantástica, a tia mostrou preocupação em manter alguns pormenores, os barracões contíguos à casa são agora mais uma divisão, de aspecto acolhedor e confortável mantendo ao mesmo tempo o estilo rústico.
O tio "Manel" comprou o terreno e construiu também uma casa, daquelas como eu gosto, rústicas mas com todo o conforto necessário ao bem estar. Tive a oportunidade lá passar com alguma frequência de matar saudades do local, mas perdoe-me tio, não é a mesma coisa....

Hoje, com família constituída, pai de dois filhos e com responsabilidades financeiras reconheço que algumas das decisões que se tomam têm em conta o bem estar desta, os interesses de terceiros terão de ficar para segundo plano. Não condeno ninguém por isso. Sempre foi e sempre será assim.

Desculpem-me ter-me alongado mas as memórias saltavam do meu subconsciente. O contexto perde-se por vezes por culpa dessas mesmas memórias. Um desabafo? Talvez. Mas tinha de partilhar estes sentimentos e emoções por aqueles que não tiveram, ou não quiseram, a oportunidade de as viver.

Regresso à infância - O Casal

Há cerca de um mês atrás, porventura do meu novo hobbie que agora está na moda - O geocaching, fui com o meu pai até ao casal. Muitos de vocês não devem conhecer ou nunca ouviram falar nele. Foi ali que o avô João e avó Deolinda criaram os tios (não sei se nasceram todos lá), vinte no total!!!! Infelizmente apenas conheci doze e também não cheguei a conhecer o avô (segundo me constou morreu de insolação depois de andar a apanhar feijão verde ao sol sem qualquer protecção), com muita pena minha diga-se de verdade porque: Caramba! Vinte filhos é obra! Ainda não consegui perceber se houve gémeos mas mesmo assim.....
Voltando ao casal. Foi um misto de emoções lá voltar. Primeiro porque já não passava por lá há muito tempo quando acabo de constatar: "O pinhal? O que foi feito do pinhal?" - Ardeu no grande fogo da tapada de 2003 cujas fagulhas atingiram tornando-o numa autêntica bomba flamejante. Agora é um eucaliptal em virtude do capitalismo, sendo agora uma máquina de fazer dinheiro.
Senti-me perdido. Eu que conseguia ir de bicicleta ou a pé desde a casa do saudoso tio Zé até ao carvalheiro da bica agora não conhecia o caminho. Reconhecia-o pelas árvores. E que dizer do bendito Carvalho? desapareceu... Sendo agora a vista para a antiga horta um mero monte de silvas.
Segundo foi ver o meu pai recordar capítulos da sua infância com um ar nostálgico. Recordava o local do meloal, a fonte, o pomar, a horta, o poço construído pelo tio Zé, as brincadeiras e as partidas pregadas. Olhou para a casa, cujo interior já está um pouco degradado. Entrou pelo buraco da porta da cozinha e verificou que a salgadeira ainda lá está.

Fiquei a saber que o avô pagava uma renda de 5 contos, mais 5 alqueires de milho e 5 de trigo. Os rendimentos provinham da venda do mato para a cama dos animais, muito procurada naquela altura, rendas de terras que o avô sub-arrendou e venda de alguns animais.

Fui lá com o sentido de tirar umas coordenadas geográficas para colocar lá uma "cache" (expressão utilizada no âmbito do Geocaching - este assunto fica para outra altura) por ser um local engraçado em pleno contacto com a natureza.
Acabámos por almoçar na Murgeira, revi ,tal como o meu pai, algumas caras conhecidas e ficámos um pouco à conversa. Depois, o retorno a casa.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Decidi-me!

Em tempos eu e a Gabriela tínhamos falado em criar um blogue para a nossa família mas depois criou-se um vazio temporal. Ora porque a nossa disponibilidade não permitia que nos dedicássemos , aliando também o desconhecimento de como criar um blogue, ora porque após termos pedido opiniões a todos vós a poucas ou nenhumas conclusões chegámos.
Mas hoje decidi-me. Aproveitando que o trabalho estava adiantado e lendo o blogue do primo Hugo pensei: "Porque não tentar?"

E aqui está! Nasceu um meio para podermos exprimir o que nos vai na alma, partilhar experiências, desabafar. Sejam vocês adultos ou crianças. Homens ou mulheres. Estejam longe ou estejam perto. Expressai-vos!!!

Apesar de ser um meio de comunicação recente aos quais alguns dos nossos familiares não estarão preparados para utilizar, espero que contribua para reforçar os nossos laços familiares principalmente para as gerações recentes e vindouras. Se porventura temos amigos online os quais nunca os vimos e tantas vezes trocamos confidências e até pormenores da nossa vida pessoal porque não o fazer com a família?

Vejo a criação deste blogue como um complemento ao nosso almoço anual para que a expressão "tão longe mas tão perto" ganhe o seu verdadeiro sentido.

Espero assim ver contribuições de todos vós, membros desta grande família que infelizmente, e a meu ver, afastou-se quer por quezílias familiares quer pelas vicissitudes da vida mas que bem lá no fundo num recanto do nosso coração guarda o amor pelo sangue do seu sangue.