Como tinha mencionado no texto anterior fui visitar o casal no sentido de tirar umas coordenadas geográficas cujos pontos já os trazia memorizados. O
carvalheiro da bica, a casa, o forte e a lapa da Santa. Quantos de vocês primos ouviram falar destes nomes?
O
carvalheiro da bica, e aqui perdoem-me os tios se estarei a cometer algum erro, era um carvalho imponente com uma copa enorme que existia junto a um tanque de água. Era aqui que estava um baloiço montado para vossa delicia cuja vista se estendia para uma horta bem tratada. Conheci esta árvore entretanto consumida pelo fogo, tentei imaginar a horta e o baloiço mas não consegui apenas vejo um amontoado de silvas.
A casa, pequena para uma família de tão grande dimensão, mas certamente cheia de vida, quer pela azáfama do dia-a-dia quer pelo som de crianças brincando, bem como do som dos animais. Agora está lá inerte, abandonada, apenas com a companhia de um sobreiro. As janelas partidas bem como as portas. O seu interior encontra-se degradado em virtude do passar do tempo e desprotegida das intempéries. Já não há ninguém para cuidar dela.
A Lapa da Santa - curioso este local.
Diz a lenda popular que em tempos houve uma aparição de uma Santa nesta nascente de água que se encontra de certo modo tapada. Espreito, é escura, ouvem-se pingos a cair, de repente a água perde a calma devido à fuga de algumas rãs que nela mergulham. Uma aranha de relativa dimensão e beleza tece a sua teia na esperança de apanhar uma refeição. Existem ainda vestígios de uma antiga fábrica de tijolo.
O forte. Deixei este para o fim. Sempre ouvi falar no forte como se o nome dado viesse de uma brincadeira pois o seu formato assim o deixa entender. Um monte alto cheio de arvoredo, rodeado por um fosso. Em tempos o primo David (filho da tia
Aldina) e um colega usaram aquele local para os jogos de
paintball. Mas afinal o forte tem história. Descobri-a através do
Geocaching (prometo que falarei nisto) e na consulta de cartas geográficas militares.
Chama-se Forte do Meio, pertencente à chamada Linhas de Torres, usado como meio de defesa aquando da terceira Invasão Francesa ao nosso país. Com a ajuda das tropas inglesas, e através de Lord
Wellington que se lembrou de usar 800 km2 de montes
bravios numa fortaleza para proteger a capital Lisboa do exército de Napoleão. (um bom exemplo da vertente cultural do
Geocaching pode ser visto neste link:
http://www.geocaching.com/seek/cache_details.aspx?guid=8d9e40c9-6bbb-4f1a-bff3-695bfa830fde - projecto caches dedicadas ao tema da Linha de Torres. Esta particularmente ao forte situado na Ericeira). Ali perto, junto à estrada encontra-se também o Forte da Patarata cujo estado de degradação leva a entender tratar-se de um monte de terra cheio de mato. Existe ainda outro forte neste pinhal mas que não visitei nem consegui encontrar o seu nome. Vejam o link. Aprender não custa.
Mas neste regresso à infância saltaram-me memórias do meu subconsciente. Para além das
futeboladas jogadas no
pátio do recreio da escola primária da
Murgeira, das passeatas de bicicleta pelas terriolas que rodeiam esta aldeia, do
convívio na sociedade recreativa, das férias e fins de semana passados na casa da avó, vieram outras recordações. Lembro-me casa, pequena mas acolhedora, sempre arrumada. Os móveis antigos, um deles com um pequeno sofá vermelho onde me deitava a ler um velhinho livro azul de fábulas que ficava guardado numa porta desse mesmo móvel. A televisão pequena, a preto e branco, que aos domingos de manhã a avó ligava para assistir à missa sentando-se numa cadeira junto à porta do seu quarto. Às vezes dava por ela a rezar em conjunto com a televisão. Era castiça a velhota!
Fazia umas sopas que eram um mimo! Lembro-me do meu pai ralhar com ela quando era hora de almoço: "Oh senhora sente-se!" Não parava ela! Enquanto não estivéssemos todos aviados ela não se sentava a comer.
O que dizer da cozinha? Um fogão colocado debaixo da chaminé cujo rebordo estava repleto de pequenos bonecos usados pelos tios nas suas brincadeiras e que avó conseguiu manter por muitos anos, até um dia deitei-lhes as mãos, bem como algumas maçãs que ficavam a amadurecer para depois poderem ser degustadas. Pendurado numa parede existia um quadro muito antigo (julgo que representava a morte de D. Inês). Era na cozinha que situava o acesso ao
sótão, lugar ao qual apenas fui duas vezes mas lembro-me da pequena janela ali situada e de duas camas de ferro com colchões de palha, um luxo!. Havia ainda uma cristaleira que guardava uns pratos antigos os quais a avo tinha enorme estima. Junto à casa de banho, onde tantas vezes tomei banho de alguidar com
água aquecida no tacho, estava um pequeno quadro pintado à mão (não sei o seu autor) e uma fotografia do avô ao lado de uma junta de bois que usava para os trabalhos no campo.
Não havia
água canalizada (apareceu mais tarde), por isso bebia a
água do poço. Fresca, limpa sem qualquer tipo de tratamento a não ser os insectos que nela andavam.
O caminho até ao poço era uma aventura, saindo da porta,
encontrávamos no lado esquerdo as
hortências depois as
ameixeiras, quantas vezes subi-as na brincadeira, as roseiras, umas pereiras e finalmente o poço. Existia ainda um marmeleiro e o terreno por vezes era cultivado, pelo tio "Manel", o meu pai, o tio António (marido da tia Gracinda), com batatas guardadas depois no barracão contíguo à casa. Do lado direito, a horta, o limoeiro, as figueiras, as macieiras e por vezes a complexa construção de canas para a plantação de feijão verde. A figueira era um dos locais predilectos para o tio João (marido da tia
Adélia) caçar uns
passaritos que depois os
depenava e fazia um belo de um petisco. Junto a esta estava a ameixeira Rainha Cláudia cujo fruto é pequeno mas doce, um autêntico manjar dos deuses.
Não me posso esquecer da frente da casa. A
árvore de doce-lima situada bem à porta de casa cujas folhas a avó guardava para fazer um
chazinho. A pedra dos namorados! Quantas horas passei ali a brincar e a tentar apanhar lagartixas ou simplesmente sentado aproveitando o facto do sol a ter aquecido, olhando a Tapada de Mafra observando os gamos e os javalis que aproveitavam o fim de tarde para pastar. Recordo-me ainda da eira, onde ainda assisti ao debulhar de feijão, a terra barrenta utilizada muitas vezes pelo Hugo e pelo Pedro nas suas sessões de
bricolage. Autênticas obras de arte que ganhavam forma nas mãos deles e cuja experiência mais tarde aproveitaram para ganhar algum dinheiro. Lembro-me de irem vender fios e outras coisas quando passámos férias (julgo que foram 2 ou 3 anos seguidos) em Armação de Pêra juntamente com a Susana e a Carla, a tia Judite e o tio Carlos. Recordo-me do
Citroen 2 CV do tio José Manuel e do "carocha" do tio Carlos, autênticas feras da estrada naquela altura.
Desculpem-me perdi-me no contexto. Voltando à casa, lembro-me ainda dos barracões
contíguos à casa. O primeiro, onde se guardavam as enxadas e outros objectos de labuta e onde ficava o forno a lenha era agora o sitio onde se deixavam as batatas colhidas da terra, era também a casa de um casal de rolas bravas cuidadosamente tratadas pela avó mantidas numa gaiola que julgo ter sido uma coelheira. Outro barracão continha palha e pipas de vinho, enormes, feitas de madeira de carvalho entaladas por anéis de ferro escurecidos. Em frente a estes uma ginjeira fazia companhia a outra figueira e junto ao portão de entrada um pessegueiro dava as boas vindas.
E o que dizer do caminho até à casa, recente, da tia
Aldina? Onde nasceu a baptizada "
baiúca do
Tarzan"? Uma autêntica obra de engenharia elaborada pelo tio Daniel. Nada de especial pensarão alguns de vós que não passaram tanto tempo como eu por aquelas paragens. A fonte, e os tanques para lavar a roupa. As tardes passadas a brincar ora no telhado desta ora na sua sombra a colher amoras que nasciam das silvas que ladeavam as escadas de acesso à estrada. Lembro-me ainda de um
abrunheiro bravo situada no enfiamento do caminho que ladeava o fim do extenso terreno existente a seguir ao poço.
Da fonte até à casa da tia
Aldina passávamos por um
eucliptal, onde existia um buraco pouco profundo sempre cheio de água usada pelos
pássaros para se banharem rodeado de uns arbustos curiosos.
Digo isto porque o fruto deste era uma bola castanha disforme que abrindo
encontrávamos ovos ou até mesmo larvas de insecto.
Considero-me um sortudo. Tive a oportunidade de conviver com animais de quinta, plantar legumes, colhê-los, andar na
chinchada, ter liberdade para ir até onde queria porque onde quer que fosse sabiam quem eu era, era como se estivesse em casa. Nessa altura ansiava pelas férias, passei muitas delas juntamente com
Teresinha (a pantera!) e o tio. Passeatas, idas à praia e ao Rio
Lizandro, brincadeiras tudo sem qualquer tipo de preocupação. Tenho pena que os meus filhos não possam passar pelo mesmo. Apesar de ter ido viver para o campo já não é a mesma coisa. As quintas já não são a mesma coisa, agora servem de habitação secundária e nada mais.
A geração
playstation tem outros interesses.
Até que um dia tudo mudou. A avó faleceu e era altura de se falar em partilhas. Marcou-se uma reunião com toda a
família na casa da avó para se decidir o que fazer. Ainda tenho na memória uma frase que dificilmente esquecerei, talvez por ter marcado uma viragem na minha vida? Não sei. Estava na rua a brincar e ouvi: "O que fazer com a casa?". Uma das tias (Não me recordo quem mas também não importa) responde: "Por mim vende-se! Nada me prende aqui!"
Vender??!! Vão-me tirar isto?. Confesso que me senti desiludido em ouvir aquilo. Não me lembro da idade que tinha na altura mas sei que já tinha alguma consciência. Vender uma coisa que tanto custou a ganhar aos avós?! Onde passaram a infância?.
Fez-me confusão. Por parte dos primos compreendo que não tivessem qualquer interesse mas os tios?
Senti essa mesma desilusão no meu pai. Mas a decisão era democrática e a maioria assim o decidiu. Se ele tivesse dinheiro tenho a certeza que ficaria com ela.
A casa foi vendida. O recheio dividido entre os irmãos. Quem a comprou não a estimou. Foi muito mal tratada a casinha da avó. Mais tarde, e felizmente, a casa voltou a um familiar. A tia
Otília comprou-a, fez obras de remodelação voltei lá a seu convite. Quando entrei pensei: "Tão pequena?" mas depois tomei a noção que os anos tinham passado e eu cresci. A casa está fantástica, a tia mostrou preocupação em manter alguns pormenores, os barracões contíguos à casa são agora mais uma divisão, de aspecto acolhedor e confortável mantendo ao mesmo tempo o estilo rústico.
O tio "Manel" comprou o terreno e construiu também uma casa, daquelas como eu gosto, rústicas mas com todo o conforto necessário ao bem estar. Tive a oportunidade lá passar com alguma frequência de matar saudades do local, mas perdoe-me tio, não é a mesma coisa....
Hoje, com família
constituída, pai de dois filhos e com responsabilidades financeiras reconheço que algumas das decisões que se tomam têm em conta o bem estar desta, os interesses de terceiros terão de ficar para segundo plano. Não condeno ninguém por isso. Sempre foi e sempre será assim.
Desculpem-me ter-me alongado mas as memórias saltavam do meu subconsciente. O contexto perde-se por vezes por culpa dessas mesmas memórias. Um desabafo? Talvez. Mas tinha de partilhar estes sentimentos e emoções por aqueles que não tiveram, ou não quiseram, a oportunidade de as viver.